O Presidente angolano, general João Lourenço, autorizou a celebração do contrato de abertura da linha de crédito no valor de 63,2 mil milhões de kwanzas (83,2 milhões de euros) para a requalificação e apetrechamento do Hospital Militar Principal de Luanda.
O contrato de abertura da linha de crédito será celebrado entre o Ministério das Finanças, em representação da República de Angola, e o Banco de Fomento Angola (BFA), segundo o despacho n.º 111/21 de 20 de Julho, assinado pelo general João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo.
“Assegurar os recursos financeiros necessários” à execução do contrato de empreitada, requalificação e apetrechamento do Hospital Militar Principal de Luanda (unidade hospitalar de referência em Angola) constituem os propósitos da celebração do contrato.
À ministra das Finanças, refere o despacho presidencial publicado em Diário da República, são delegadas competências para assinar o referido contrato, bem como toda a documentação relacionada com o mesmo, em nome e representação da República de Angola.
Segundo o despacho, a presente delegação de poderes “não caduca com a mudança de titular do departamento ministerial responsável pelas finanças públicas”. Para que não restem dúvidas, obviamente.
Regime volta a dar milhões aos que têm farda e armas
Em Junho de 2017, o Ministério da Defesa Nacional, liderado pelo general João Lourenço (na altura cabeça-de-lista do MPLA, partido no poder desde 1975), recebeu 285 milhões de euros de fundos públicos para garantir o programa de apetrechamento das Forças Armadas Angolanas (FAA).
A decisão constava de um decreto presidencial de 7 de Junho, autorizando a atribuição de um crédito adicional no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2017 para o “suporte dos encargos relacionados com o Programa de Potenciação e Apetrechamento Técnico Militar das Forças Armadas Angolanas”.
O documento assinado pelo Presidente (hoje marimbondo) José Eduardo dos Santos não referia que encargos seriam assumidos com a dotação então aprovada, no montante de 42.987.724.769,33 kwanzas (285 milhões de euros).
Os três ramos das FAA contam com mais de 100.000 militares, sector que representava 7,24% de todas as despesas do Estado previstas no OGE de 2017, equivalentes a 535.128 milhões de kwanzas (2,8 mil milhões de euros).
As FAA tinham em curso contratos de aquisição de helicópteros à Itália e aviões à Rússia, mas pretendiam ainda avançar com o reequipamento da Marinha, com a aquisição de novos navios de patrulhamento das águas nacionais.
Ter os militares na… mão
A Força Aérea Nacional (FAN) continuará a cumprir com zelo e dedicação todas as missões que lhe forem atribuídas, quer no âmbito operacional, quer no quadro social, humanitário e político, apesar das dificuldades com que ainda se confronta o país, afirmou em Janeiro de 2017 João Lourenço, ministro da Defesa Nacional e na altura já apontado como sucessor de José Eduardo dos Santos.
Numa mensagem alusiva ao 41º aniversário da FAN, o governante disse ter essa plena convicção, como aconteceu no apoio da Força Aérea ao Processo de Registo Eleitoral, para as eleições de 2017.
João Lourenço exortou os efectivos da Força Aérea Nacional a cumprirem com vigilância, disciplina e prontidão a sua missão de garantir a inviolabilidade do espaço aéreo, na defesa e salvaguarda dos interesses e da soberania nacional.
Afirmou também que a comemoração da efeméride acontecia numa altura em que a FAN estava a apetrechar-se com meios técnicos mais modernos e a capacitar o nível dos seus quadros, para o cumprimento cada vez mais eficaz e eficiente das missões que lhe são confiadas.
João Lourenço disse estar orgulhoso com a “brilhante história da Força Aérea Nacional, cujos efectivos das mais diversas gerações, com empenho e elevado sentido patriótico e de missão, sempre defenderam os mais legítimos interesses da República de Angola”.
A Força Aérea Nacional foi criada a 21 de Janeiro de 1976, pelo primeiro Presidente da República, António Agostinho Neto, aquando da sua visita à Base Aérea de Luanda.
Fidelidade (até um dia) à prova de bala
Se dúvidas existissem sobre a democracia que não existe em Angola, 46 anos depois da independência, ou sobre o Estado de Direito que Angola não é, bastava ver dois inequívocos exemplos: Comandante da Polícia Nacional e Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
Comecemos por Ambrósio de Lemos. O comandante da Polícia Nacional do regime criticou o “pronunciamento leviano” do líder UNITA quando, em 2012, este pediu o adiamento das eleições gerais, dizendo que a Polícia Nacional estava pronta para responder a essa “ameaça” (“ameaça” foi o termo usado) e garantir a votação.
Ou seja, aquilo a que se chama erradamente Polícia Nacional de Angola era e é, de facto, a Polícia Nacional do MPLA. Mas, como é óbvio, nada disso incomodou a CNE (Comissão Nacional de Eleições), muito menos os observadores eleitorais e ainda menos a comunidade internacional.
Em conferência de imprensa em Luanda, Ambrósio de Lemos afirmou – recorde-se por muito que isso custe aos donos do país – que a Polícia Nacional “não vai permitir que haja perturbações em função dessa ameaça” às eleições gerais, garantindo a defesa até às “últimas consequências” do Governo e do seu líder.
Dúvidas? O comandante da dita Polícia Nacional de Angola garantia, sem papas na língua e perante a passividade de todos nós, que iria defender até às “últimas consequências” o Governo e o seu líder, José Eduardo dos Santos, então candidato do MPLA.
“Somos uma instituição do Governo e a polícia vai defender este Governo até às últimas consequências e muito especialmente o seu líder, porque é um Presidente que está aqui, e não podemos permitir que qualquer pessoa de forma leviana desafie e insulte a mais alta entidade deste país”, declarou o comandante nacional da Polícia.
Ora tomem! A Polícia Nacional de Angola não é uma instituição do país mas, isso sim, “uma instituição do Governo”.
Isaías Samakuva, então líder da UNITA, anunciara o desejo de um encontro com o presidente do partido no poder, José Eduardo dos Santos, para discutir o adiamento das eleições, em resultado de alegadas irregularidades, não se responsabilizando pelas consequências caso o diálogo fosse recusado.
Para Ambrósio de Lemos, assumido (como todos) funcionário do MPLA nas funções de comandante da Polícia, o pronunciamento do líder do maior partido de oposição foi “leviano” e levou-o a questionar o motivo pelo qual a UNITA aceitou anteriormente a data da realização das eleições e a participação na campanha eleitoral.
“Porque fizeram a campanha eleitoral? É uma pergunta que se pode fazer. A campanha eleitoral teve lugar em todo o país e esse senhor terminou-a com esse pronunciamento”, disse o comandante da Polícia Nacional (do MPLA), acrescentando que, “naturalmente, quem de direito irá dar resposta a isso”.
A Polícia Nacional, garantiu, “está pronta e prestará serviços específicos nesta quadra para dar resposta a todos os desafios que atentem contra a estabilidade e a materialização das eleições” e apelou “a todas as formações políticas para que os seus militantes e simpatizantes observem as leis, normas e regulamentos estabelecidos”.
“Os pronunciamentos de incitamento à desordem devem ser banidos de qualquer um dos políticos envolvidos neste processo eleitoral”, disse Ambrósio de Lemos, insistindo que, em caso da perturbação da ordem, a sua força não irá esperar para dar “uma resposta para o imediato restabelecimento da segurança pública”.
Forças Armadas de Angola ou do regime?
O regime do MPLA é, de facto e de jure, um exemplo de tudo quanto contraria a democracia. Não deixa, contudo, de satisfazer as verdadeiras democracias para quem é melhor, muito melhor, negociar com ditaduras.
Em alguma democracia séria, em algum Estado de Direito, se vê o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dizer, em plena campanha eleitoral, que um dos candidatos – mesmo que seja o presidente da República – marcou a sua postura “por momentos de sacrifício e glória”, permitindo “a Angola preservar a independência e soberania nacionais, a consolidação da paz, o aprofundamento da democracia, a unidade e reconciliação entre os angolanos, a reconstrução do país, bem como a estabilidade em África e em particular nas regiões Austral e Central do continente”?
Não. Nas democracias sérias é impossível o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas ter manifestações públicas deste género, tomando partido por um dos candidatos. Em democracia, os militares são apartidários.
Mas como Angola não é uma democracia, muito menos um Estado de Direito, o então Chefe Estado Maior das Forças Armadas, general Geraldo Sachipengo Nunda, resolveu na mesma altura do seu camarada Ambrósio de Lemos fazer campanha em prol de um dos candidatos, no caso – obviamente – José Eduardo dos Santos.
Recorde-se que Geraldo Sachipengo Nunda foi um dos militares que comandaram a caça, e posterior morte em combate, a Jonas Savimbi. Nunda foi, aliás, um dos generais das FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola) a quem Savimbi ensinou tudo e que, por um prato de lagostas, o traiu.
Geraldo Nunda também disse que com a promulgação e entrada em vigor da Constituição da República de Angola “o país entrou numa nova etapa histórica do seu desenvolvimento”. Referia-se, recorde-se, à Constituição que aboliu a eleição presidencial.
É, aliás, admirável a forma como os militares angolanos estão sempre a falar da necessidade da preservação da paz, da Constituição e do culto a José Eduardo dos Santos.
“A reconstrução nacional tem permitido a normalização da vida em todo o território nacional”, disse Geraldo Sachipengo Nunda, acrescentando que existem sinais visíveis de um país que renasce após longos anos de guerra.
Que a guerra em Angola, como qualquer outra, deu cabo do país é uma verdade incontestável. Também é verdade que o país está a crescer, embora esse crescimento só esteja a ser feito para um dos lados (para aquele que está com o regime).
Ainda hoje muitos angolanos perguntam se Geraldo Sachipengo Nunda (actual embaixador no Reino Unido) se esqueceu da Angola profunda, daquela onde o povo, o seu povo, continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com fome?